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Opinião: Nápoles, do título de sonho à época de pesadelo - a crónica de um colapso anunciado

A deceção dos jogadores do Nápoles no estádio Maradona
A deceção dos jogadores do Nápoles no estádio MaradonaAFP/Flashscore
A derrota em casa contra o Bolonha foi a gota de água para o Nápoles este ano.

Rostos inexpressivos. Pernas moles. Ânimos acalmados. Os jogadores do Nápoles que deixam o Diego Armando Maradona de cabeça baixa são homens que profanaram o estádio, o ambiente e uma camisola com o Scudetto que deveria ter sido honrada, pelo menos, com mais vontade. Em vez disso, as decisões empresariais de junho de 2023 já deixavam claro que seria muito complicado repetir. O que não se podia imaginar, porém, era ver uma equipa totalmente mal-amada, inepta e invertida. A cópia feia da que foi levada ao triunfo por Luciano Spalletti há um ano.

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Porque se viram alguns lances de um ataque qualitativamente importante, sobretudo no início do campeonato. Mas continuaram a ser um fim em si mesmos, também porque era como ver três dedos dos pés a moverem-se sozinhos sem serem apoiados pelo eixo do corpo e pelas pernas. No fim de contas, a época atual tem sido um marasmo que culminou com o descalabro de ontem, em casa, frente ao Bolonha, onde um onze totalmente rendido confirmou a péssima posição a meio da tabela.

Más escolhas

Os avisos não estimularam a praça, mas um cenário tão apocalítico não teria sido desejado nem pelos mais pessimistas. É verdade, porém, que a escolha do presidente Aurelio De Laurentiis de confiar o banco dos campeões italianos a um treinador fora do radar, como Rudi Garcia, e de dar as faixas de diretor desportivo a uma personagem que nunca tinha sido notada, como Mauro Meluso, fez com que os jogadores e a praça torcessem o nariz. E não foi pouco.

Um verdadeiro pesadelo para os jogadores, que passaram do vulcânico mas sábio Spalletti para um treinador totalmente involuído taticamente, e que foram acompanhados fora do campo por um treinador passivo e excessivamente bloqueado pela omnipotência deletéria do patrono, um mestre-pai muitas vezes demasiado pesado, e a causa da despedida de treinadores capazes como Spalletti e Maurizio Sarri, que fizeram história em Fuorigrotta pelos resultados e pelo jogo.

Rudi Garcia e De Laurentiis
Rudi Garcia e De LaurentiisProfimedia/IMAGO

O resto foi um "sperpetuo", uma palavra que em napolitano evoca a longa agonia devido a algo aborrecido e sombrio. Como o jogo involuntário de uma equipa que um ano antes tinha dominado, não só pela concretização mas também pela qualidade do jogo. Querer demitir Rudi Garcia no outono para apostar num Walter Mazzarri em ebulição, para quem era muito azar voltar ao sítio onde tinha triunfado, foi o golpe de martelo num grupo que se tinha desmoronado após a saída de Spalletti.

E a decisão de trazer Calzona, já comprometido com a Eslováquia, foi uma tentativa in extremis de reanimar uma equipa em estado terminal. O treinador calabrês, embora responsável por não ter conseguido dar a volta ao Nápoles, sobretudo a nível defensivo, chegou a um ambiente já demasiado podre para ser curado.

A forma recente do N
A forma recente do NFlashscore

A demissão

A pagar o preço mais alto, como sempre, estão os adeptos. Os adeptos que, apesar de há meses a mediocridade ser uma constante em Maradona, não pararam de encher o estádio Fuorigrotta, palco ontem do despedimento do Bolonha. Um lugar místico para o passado glorioso, mas que este ano foi marcado pela infâmia do mau espetáculo oferecido após as faíscas do ano passado.

A última vitória da Azzurra em casa foi há mais de dois meses, uma vitória arriscada por 2-1 contra uma Juventus terrivelmente perdulária, que foi mais o resultado de abnegação e coração do que de uma verdadeira qualidade de jogo. E num jogo muito emotivo, que pôs as asas nos pés de todos.

Mas, infelizmente, a mediocridade encontra-se precisamente na abordagem aos jogos de menor prestígio, onde a concentração e a sensatez, bem como o agonismo, devem ser postos em campo. Uma caraterística, esta última, que desapareceu ultimamente em Nápoles, onde apenas Osimhen, agora de saída, nunca deixou de lutar. Ele, que muito provavelmente já não vestirá de azul, deixará um Maradona em ruínas. Um estádio que exige que muitos dos que profanaram a camisola com o escudo, uma raridade por estas bandas, saiam. A impressão, ao que parece, é que a noite da memória defilippiana apenas começou...