De uma competição de alto nível para outra, na Champions League, os dados recentes também indicam que, com pouco tempo em um time, já se consegue ir longe. Nas últimas 10 edições do torneio, apenas Jürgen Klopp e Pep Guardiola não venceram a principal competição entre clubes do mundo em seus primeiros anos de trabalho, respectivamente, à frente do Liverpool e do Manchester City.
Imagine se eles tivessem sido defenestrados por causa disso...O treinador catalão, é fato, havia conseguido a façanha antes, com o Barça.
Entram na lista de quem chegou e já levantou o caneco: Carlo Ancelotti (na anterior e na atual passagem pelo Real); Luis Enrique (Barcelona), Zinédine Zidane (Real Madrid), Hans-Dieter Flick (Bayern) e Thomas Tuchel (Chelsea).
Na temporada atual, entre os times que ainda estão na competição, apenas dois técnicos podem ser campeões em seus primeiros anos de clube. E nenhum deles será inédito: Tuchel pelo Bayern ou Luis Enrique pelo PSG.
Prazo ou grana?
São duas provas de que trabalho de curto prazo é o melhor para competições de mata-mata? Ou a resposta mais acertada, seja na Europa, ou em qualquer outra parte do mundo, passa pelo dinheiro para as contratações para turbinar o nível do elenco?
“Vou contar um segredo, o principal é a qualidade dos jogadores. Quando você disputa Premier Leagues consecutivas, sempre há uma dúvida sobre o espírito de trabalho. Mas não há tempo para refletir. A cada três dias temos um jogo", explicou Guardiola em outubro de 2022.
"Mas quando dá tempo de refletir um pouco, dá para dizer que o trabalho só funciona com jogadores que sejam capazes de cumprir, dentro de campo, com os planos que foram traçados. O sucesso que tivemos é por causa dos jogadores de ponta", completou. Desde então, o treinador do City bate na mesma tecla.
O fator “grana” para comprar talentos é o ponto central da tese defendida pelo pesquisador inglês Stefan Szymanski, radicado nos Estados Unidos, como fator de desequilíbrio de uma liga.
No livro Soccernomics, em que ele é um dos autores, um dos argumentos é que os treinadores não são tão importantes assim. “A maior parte da variação no desempenho de um campeonato pode ser explicada pelos gastos salariais”, segundo o cientista. Os pesquisadores, na obra, desenvolveram um modelo estatístico específico para enfrentar o problema.
O que pesa a favor da maioria dos treinadores de grandes times, que normalmente chegam e já ganham, é a chamada “liderança transformacional”, afirma Israel Teoldo, coordenador do curso de especialização em futebol da Universidade Federal de Viçosa.
Segundo o professor, que tende a concordar em parte com a tese do autor de Soccernomics, com o tempo cada vez mais curto diante da pressão por resultados positivos urgentes – vide o breve trabalho de Fernando Diniz na Seleção Brasileira – ter experiência prévia para transformar o ambiente em algo positivo, para que os resultados fluam, é essencial.
“É evidente que o orçamento é importante, assim como o tempo de trabalho, para que o treinador consiga entender e conhecer os jogadores e fazer todos funcionarem da melhor forma possível”, explica Teoldo, especialista habituado em palestrar para treinadores brasileiros e internacionais em eventos da CBF e da CONMEBOL.
Outras premissas básicas, como gestão do clube e do departamento de futebol, também são pilares importantes dentro do futebol, um esporte em que, lembra o pesquisador, a taxa de sucesso é normalmente baixa, em comparação com o basquete e o vôlei. A magia, na maioria das vezes, explica uma parte pequena de uma conquista.
“Não sou David Copperfield. É sobre trabalho. Sinto-me completamente no lugar certo. Me sinto bem, gosto de trabalhar e ainda estou aprendendo sobre tudo”, afirmou Klopp, há oito anos, quando acabara de chegar ao Liverpool para, então, fazer história. É um sinal, assim como defende Guardiola, que a magia fica só dentro das quatro linhas?
Cultura nacional
No Brasil, os números de trocas de treinadores durante a Série A continuam chocantes, o que dá a real dimensão da máquina de moer carne que se tornou o futebol nacional. O ano de 2003, o primeiro dos pontos corridos, é o que ainda detém o recorde. Foram 40 mudanças de técnicos naquele ano.
Depois disso, ficaram acima das 30 trocas os campeonatos de 2004 (38); 2005 (37); 2015 (32); e 2010 (31).
Na Série A 2024, sete clubes estão com o treinador há mais de um ano no posto. Por ordem de chegada: Palmeiras (Abel Ferreira); Fortaleza (Juan Pablo Vojvoda); Criciúma (Cláudio Tencati); Fluminense (Fernando Diniz); Grêmio (Renato Gaúcho está na quarta passagem); Bragantino (Pedro Caixinha) e Vitória (Léo Condé).
O recorte brasileiro, segundo o treinador Fernando Diniz, não pode ser desconectado do que ocorre em outras partes do mundo, principalmente por um motivo. “Temos que dar as cores necessárias para colocar a realidade como ela é. A questão do orçamento é importante não apenas aqui, mas no mundo todo", ponderou.
"No Brasil, temos 12 camisas pesadas, e tem-se a ideia de que estão todas na mesma prateleira no início do campeonato. Mas não estão. Com a diferença grande de recursos para comprar jogadores entre os times, temos que equalizar isso com o trabalho coletivo, feito por muita gente com várias mãos, e pelo apoio do torcedor”, declarou o atual treinador do Fluminense, em março.
Tecnologia como aliada
Entre orçamentos e gestões profissionais distintas, atalhos para que os jogadores saibam o que devem fazer dentro das quatro linhas é um caminho moderno de aperfeiçoamento do futebol de alto nível, segundo Teoldo.
“Costumo brincar que estamos olhando para o futebol que vai existir em cinco ou 10 anos. Estamos desenvolvendo um sistema que deverá ser usado pelo Manchester United, que vai estimular o entendimento cognitivo tático dos jogadores, a partir da tecnologia, da realidade virtual”, explica o pesquisador brasileiro.
Ao aprender tática via tecnologia, sem necessidade de ir ao campo de treino, o jogador usará menos seu potencial físico fora das partidas que valem pontos. “Todo o potencial será usado quando for para valer. Lesões e problemas musculares vão cair”, afirma Teoldo.
O que leva à potencialização de um ciclo já presente hoje. Dinheiro leva a mais tecnologia, que leva a mais evolução, porque o elenco será montado com jogadores de alto nível, com boa expertise, que poderão usar sua inteligência, habilidade e criatividade para empurrar a bola para o fundo das redes.
“As questões física, técnica, tática e mental continuam sendo nucleares. Assim como orçamento e gestão, de uma forma ampla. O City passou a ter condições de ganhar Champions e Premier League quando, por exemplo, vários desses pilares foram construídos”, afirma o pesquisador da Federal de Viçosa. Sendo o dinheiro em caixa, inclusive para contratar Pep Guardiola, o mais forte deles.
Trocas de técnicos no Brasileirão na era dos pontos corridos
2003: 40
2004: 38
2005: 37
2006: 27
2007: 24
2008: 27
2009: 23
2010: 31
2011: 22
2012: 20
2013: 24
2014: 23
2015: 32
2016: 25
2017: 23
2018: 29
2019: 26
2020: 28
2021: 21
2022: 23
2023: 22
Treinadores que ganharam a Champions no 1° ano de clube
(Entre parênteses a data de início do contrato)
2014 - Carlo Ancelotti - Real Madrid (1°/7/2013) - sim
2015 - Luis Enrique - Barcelona (1°/7/2014) - sim
2016/17/18 - Zinédine Zidane - Real Madrid (4/1/2016) - sim
2019 - Jurgen Klopp - Liverpool (8/10/2015) - não
2020 - Hansi Flick - Bayern (3/11/2019) - sim
2021 - Thomas Tuchel - Chelsea (26/1/2021) - sim
2022 - Carlo Ancelotti - Real Madrid (1°/7/2021) - sim
2023 - Pep Guardiola - Manchester City (1°/7/2016) - não (mas havia ganho antes no Barça)