Mas será que ainda é?
O país de Pelé, Garrincha e Ronaldinho, que já encantou o mundo com seu estilo extrovertido, não vence a Copa do Mundo desde 2002. Tampouco produziu um vencedor da Bola de Ouro desde Kaká em 2007.
Com a Seleção atualmente lutando para garantir seu lugar na Copa do Mundo de 2026, muitos no Brasil e fora dele se perguntam por quê.
"Estamos em baixa. Costumávamos ter mais atletas de alta qualidade", disse recentemente o filho mais velho de Pelé, Edinho, à AFP.
Até mesmo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se juntou ao exame de consciência nacional, admitindo que o Brasil "não joga mais o melhor futebol do mundo".
Então, o que aconteceu?
O desaparecimento dos gramados
Uma resposta poderia ser o declínio do futebol de rua, onde alguns dos maiores craques brasileiros de todos os tempos começaram, como Rivellino, Zico e Romário.
"Ninguém mais joga na rua. Não se ouve mais histórias sobre aquele chute que quebrou a janela de alguém", disse o jogador de futebol amador Lauro Nascimento, com a camisa manchada de lama depois de jogar em um dos poucos campos de terra que restaram na zona norte de São Paulo.
Nascimento, um profissional de finanças de 52 anos que joga pelo Aurora, quebrou vários dedos dos pés jogando futebol descalço quando era garoto.
Hoje, o bairro da Vila Aurora está coberto de concreto. Dois prédios estão no que antes era um campo usado como quadra de futebol.
"Qualquer espaço aberto costumava ser suficiente para as crianças começarem a jogar futebol. Agora, eles são vistos como imóveis de primeira linha para desenvolvimento", disse a historiadora esportiva Aira Bonfim.
Nascimento e seus amigos pagam US$ 160 por mês para alugar a quadra onde jogam, mas esse tipo de dinheiro é um obstáculo para as famílias da classe trabalhadora.
Para ter acesso a um campo hoje, as crianças pobres no Brasil geralmente dependem da escola, de programas sociais ou de uma escola de futebol.
Apenas uma em cada cinco dessas escolas é gratuita, de acordo com um estudo de 2021.
E muitos desses gramados são sintéticos, uma superfície que, segundo alguns, desenvolve menos a técnica dos jogadores do que os campos ásperos e rochosos de antigamente.
Estilo "mecânico
O declínio no tempo gasto praticando o esporte teve "um impacto gigantesco no nosso futebol", disse o pesquisador Euler Victor.
"Temos um grande número de brasileiros jogando na Europa, mas muito poucos craques."
A última grande esperança do Brasil, Neymar, brilhou no Barcelona, mas teve dificuldades para levar a equipe nacional a campeonatos em uma carreira atolada por controvérsias e lesões.
Os brasileiros agora têm suas esperanças depositadas em Vinicius Junior, de 23 anos, e no jovem fenômeno Endrick, que vai se juntar a Vinicius no Real Madrid quando completar 18 anos em julho.
O Brasil ainda é o maior exportador de jogadores de futebol do mundo, mas eles estão trazendo menos dinheiro.
De acordo com os números da FIFA, os clubes pagaram US$ 935,3 milhões em taxas de transferência para 2.375 jogadores brasileiros no ano passado, uma queda de quase 20% em relação a 2018, quando o número de jogadores era menor - 1.753.
Parte da queda se deve ao fato de as equipes estarem pagando menos para contratar agentes livres e jogadores mais jovens.
Mas também há uma escassez de estrelas de destaque. "Nossa técnica foi prejudicada", disse Victor Hugo da Silva, técnico da base do Flamengo em São Gonçalo-RJ.
"O estilo de jogo mudou e isso acabou tirando um pouco da nossa criatividade. Nosso futebol costumava ser muito alegre. Agora ele se tornou mais mecânico."
Em um gramado sintético, ele treina crianças de sete a 10 anos que sonham em seguir os passos de Vinicius, o mais famoso jogador formado na escola.
A nova geração ainda tem o futebol em suas veias, mas tem "dificuldades" com o treinamento, um problema que Da Silva atribui ao estilo de vida sedentário e ao "vício" em telas.
O Brasil, com 203 milhões de habitantes, tem mais telefones celulares do que pessoas. Mais de um terço das crianças de cinco a 19 anos estão acima do peso ou obesas, de acordo com o Atlas Mundial da Obesidade.
Robson Zimerman, caçador de talentos do Corinthians, disse que os jogadores de futebol emergentes enfrentam hoje condições mais difíceis, incluindo a capacidade de jogar em várias posições e expectativas exageradas da família e da mídia.
"Antes, eles só tinham que se preocupar em jogar futebol", disse ele.
Mas Leila Pereira, presidente do rival Palmeiras, insiste que o Brasil nunca deixará de ser o país do futebol. Os times brasileiros conquistaram os últimos cinco títulos da Copa Libertadores, sendo que o Palmeiras conquistou dois deles.
O clube é o berço de Endrick - cuja venda para o Real Madrid rendeu 65 milhões de dólares com bônus - bem como das promessas em ascensão Estêvão e Luis Guilherme.
"Não concordo com aqueles que acham que (os jogadores brasileiros) perderam a qualidade. Veja as somas astronômicas que eles trazem", disse Pereira.
Festa na favela
Para muitas pessoas, Pereira, uma das pessoas mais ricas do Brasil, é o rosto de uma nova marca do futebol brasileiro - mais parecida com a da Europa, com salários luxuosos, para os padrões sul-americanos, e preços de ingressos caros.
"Com os salários absurdos que pagam aos jogadores, os clubes têm de aumentar os preços dos ingressos, o que exclui torcedores como eu", disse David Santos, torcedor do Flamengo.
Em 2019, ele fundou um fã-clube para torcedores do Flamengo, como ele, das favelas empobrecidas.
Do alto do morro com vista para os badalados bairros de Copacabana e Ipanema, eles recriam o ambiente do Maracanã nos dias de jogos, decorando um velho gramado com bandeiras, fazendo churrasco e entoando cânticos enquanto a partida é transmitida em um telão.
"A coisa do 'país do futebol' - estamos perdendo isso", disse Pablo Igor, de 38 anos, torcedor do Vasco.
"O futebol é o que você vê aqui. É um jogo do povo. Mas as crianças de rua, como eu era, não têm mais acesso a ele."